Infarto do miocárdio tipo 1 e tipo 2: como diferenciá-los

Um infarto do miocárdio (IM), segundo a Quarta Definição Universal, é uma lesão miocárdica aguda com evidência clínica de isquemia do miocárdio, definida a partir de sintomas, novas alterações isquêmicas no eletrocardiograma (ECG), incluindo ondas Q patológicas, evidências de imagem de perda recente do miocárdio vital ou novas alterações da motilidade parietal regional em um…

Um infarto do miocárdio (IM), segundo a Quarta Definição Universal, é uma lesão miocárdica aguda com evidência clínica de isquemia do miocárdio, definida a partir de sintomas, novas alterações isquêmicas no eletrocardiograma (ECG), incluindo ondas Q patológicas, evidências de imagem de perda recente do miocárdio vital ou novas alterações da motilidade parietal regional em um padrão compatível com etiologia isquêmica. O IM é classificado em cinco tipos, sendo que a maioria dos casos corresponde ao IM do tipo 1 ou tipo 2. 

O infarto do miocárdio do tipo 1 (IMT1) é caracterizado pelo rompimento da placa coronária e pela aterotrombose, que provoca a lesão dos cardiomiócitos.

O infarto do miocárdio do tipo 2 (IMT2), por sua vez, decorre de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio do miocárdio, sem aterotrombose coronária aguda, levando à necrose dos cardiomiócitos. 

Diversos fatores não ateroscleróticos podem reduzir a oxigenação do miocárdio, incluindo patologias coronárias, como vasoespasmo, dissecção ou embolia, além de processos não coronários, como anemia, hipóxia e hipotensão. Analogamente, vários fatores aumentam a demanda de oxigênio, entre os quais hipertensão grave, taquicardia e febre. Além disso, o IMT2 pode acometer pacientes com ou sem doença arterial coronariana (DAC). 

O diagnóstico diferencial entre IMT1 e IMT2 continua desafiador e clinicamente relevante. O IMT1 é mais facilmente identificado, apresentando elevação e subsequente redução dos níveis séricos de troponina sérica (com queda dos valores apenas em pacientes atendidos tardiamente), acompanhada de sinais clínicos compatíveis com isquemia miocárdica. 

O diagnóstico e o tratamento do IMT1 são bem estabelecidos, enquanto os cenários clínicos que levam ao IMT2 costumam envolver um maior grau de incerteza, inclusive quanto às orientações terapêuticas. Diferenciar de forma rápida e precisa os dois tipos é fundamental, pois o IMT1 requer revascularização coronária, enquanto no IMT2 o tratamento foca na causa subjacente. 

A troponina cardíaca de alta sensibilidade (hs-cTn) é um biomarcador essencial para o diagnóstico do IM, e sua ampla disponibilidade aumentou o reconhecimento de lesões no miocárdio e do IMT2. Embora as concentrações máximas de troponina tendam a ser mais elevadas no IMT1, não permitem distinguir de forma precisa as duas causas de lesão miocárdica.

Portanto, após o diagnóstico de IM, são necessárias outras abordagens para identificar corretamente o tipo de infarto.

Índice de dano isquêmico do miocárdio

O MI3 é um algoritmo de aprendizado de máquina, desenvolvido e validado em um estudo que envolveu 11 mil pacientes, com o objetivo de facilitar o diagnóstico e a exclusão do IM. Trata-se de um instrumento de suporte às decisões clínicas e incorpora variáveis simples e objetivas, como idade, sexo e concentração sérica de hs-cTn, para estimar rapidamente o risco de IM. 

O MI3 pode ser utilizado para personalizar a avaliação do risco em pacientes com suspeita de IM ou para classificá-los em grupos de baixo ou alto risco, identificando aqueles que poderiam se beneficiar de intervenções clínicas precoces. Contudo, as evidências sobre sua capacidade de diferenciar o IMT1 do IMT2 são limitadas. 

Biomarcadores úteis além da troponina

Evidências de estudos anteriores sugerem que o peptídeo natriurético tipo-B (BNP) biologicamente ativo e seu fragmento N-terminal biologicamente inativo (NT-proNBP) podem ser úteis na diferenciação do tipo de IM, partindo da hipótese de que pacientes com IMT2 geralmente apresentam um estresse maior e precoce da parede cardíaca, com consequente liberação mais elevada de peptídeos natriuréticos em comparação a pacientes com IMT1, o que aumenta a relação entre peptídeo natriurético e cTn. 

A galectina-3 (Gal-3), uma proteína da família dos ligantes de beta-galactosídeos, é liberada pelos macrófagos ativos e cumpre um papel crítico na resposta inflamatória após o IM. A Gal-3 promove o recrutamento e a ativação das células imunológicas no local da lesão, contribuindo para inflamação e dano tecidual. Além disso, está diretamente envolvida na fibrose cardíaca, estimulando a ativação dos fibroblastos e o depósito de colágeno. Níveis elevados de Gal-3 no sangue podem indicar lesão miocárdica em andamento e processos inflamatórios, sendo útil como complemento aos biomarcadores tradicionais, como a troponina cardíaca, para uma avaliação mais completa do IM. 

Diferenciar o IMT1 do IMT2: proposta de uma estratégia combinada

Um estudo buscou preencher as lacunas de evidências na diferenciação entre o IMT1 e o IMT2 em uma coorte multicêntrica norte-americana de pacientes do pronto-socorro com suspeita de síndrome coronariana aguda. O objetivo foi avaliar se o M13, o BNP, o NT-proBNP ou a Gal-3, isoladamente ou em combinação, poderiam distinguir entre o IMT1 e IMT2 em pacientes com diagnóstico confirmado de IM.

Foram avaliados 123 pacientes adultos com idade igual ou superior a 21 anos, sintomas sugestivos de síndrome coronariana aguda e pelo menos um valor de troponina acima do limite de detecção, sem resultados de troponina > 1,0 ng/mL. 

O principal achado foi que a combinação do NT-proBNP e a Gal-3 com o MI3 permitiu a diferenciação mais precisa entre IMT1 e IMT2. Em particular, a adição do Gal-3 ao MI3 resultou em melhora substancial da área sob a curva (AUC) para discriminar o IMT1 em relação ao IMT2. Esses dados sugerem que o uso do algoritmo MI3 associado ao NT-proBNP e à Gal-3 pode mitigar a dificuldade dos médicos em distinguir o tipo de IM.

Pontos de atenção na prática clínica

  • A diferenciação clínica entre IMT1 e IMT2 segue desafiadora. Diferenciar corretamente os dois tipos de infarto é importante para orientar a conduta apropriada: pacientes com IMT1 geralmente requerem intervenção invasiva, enquanto a abordagem no IMT2 foca no tratamento do quadro subjacente.
  • Os critérios diagnósticos para ambos os tipos incluem elevação de hs-cTn e um padrão de elevação e queda nas medições séricas do hs-cTn.
  • O IMT1 pode apresentar aumento mais pronunciado de hs-cTn e elevação mais acentuada nas medições seriadas, mas não existem limites validados de hs-cTn que permitam distinguir com precisão o tipo de IM.
  • A combinação de NT-proBNP e Gal-3 com o índice de dano miocárdico MI3 demonstrou uma AUC mais elevada para discriminar o tipo de IM.
  • A Gal-3 foi recentemente reconhecida como um fator importante na fisiopatologia das doenças cardíacas. Considerando a fisiopatologia do IMT2 e suas comorbidades prevalentes, como insuficiência cardíaca, há forte plausibilidade biológica de associação entre Gal-3 e IMT2, de forma semelhante ao NT-proBNP, um biomarcador consolidado na descompensação cardíaca.
  • A abordagem combinada de múltiplos marcadores (Gal-3 e NT-proBNP) e MI3 para diferenciar o tipo de IM representa uma estratégia promissora, ainda que seja necessária validá-la com novos estudos prospectivos.

Fonte: Univadis

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